João Carlos Fairbanks*
I
Em matemática define-se INTEGRAL como a soma de um número
infinitamente grande de parcelas, sendo cada parcela infinitamente pequena. Por
ANALOGIA, dir-se-ia que o elefante ou a figueira brava seria, cada um, a
integral de células animais ou vegetais. Cada célula é pequeníssima; somadas as
células em avultadíssimo número, dão o colosso do elefante ou da figueira. O
oceano seria a integral de moléculas de água; o deserto do Saara, a integral de
grãos de areia.
Pois bem, o Estado deve ser o oceano, o elefante ou a
figueira do exemplo; deve ser a soma de todas as células operosas do organismo
social. Sem nenhuma esquecer. O Estado é a integral dessas células. Cada
pequeno lavrador é uma célula, e seu conjunto constitui o galho da federação
agrícola integral do Estado. Cada operário, cada industrial, cada artífice
idem, idem. Daí a formação dos sindicatos, que são integrais parciais de classe
para a integralização social comum.
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Se integral significa soma, total, PARTIDO significa parcela,
parte, fragmento. Assim, no organismo do elefante, se este, o organismo, é o
total, as células, os membros, são partes, são parciais. Daí já se deduz a
impossibilidade do Estado-parcela, do Estado-partido, que faliu no mundo
inteiro. O Estado há de ser TOTAL, integral, cada célula produzindo para a
totalidade social, e a totalidade social vigiando o bem-estar de cada célula,
como a parábola bíblica do Bom Pastor: estão abrigadas as 99 ovelhas? Pois
vamos cuidar de abrigar a centésima tresmalhada.
E é coerente com o que se observa na Natureza. Meu corpo – a
integral de infinitas células – goza de saúde; de repente, pequenas células de
um dente enfermam, a ramificação do nervo respectivo fica descoberta. A dor
transmite-se ao cérebro. Todo o imenso rebanho corporal de células sofreu,
porque algumas sofreram. Vou ao dentista, isto é, vou procurar atender às
necessidades das poucas ovelhas tresmalhadas das células dentárias. Curo-me,
todo o rebanho celular corporal sente-se bem. Porque nosso organismo não segue
a política do Estado partidário, o conjunto celular do corpo não dirá às
células doentes: nós estamos bem, vocês se arrumem...
O mal dos partidos é este: cada um olha para o seu interesse,
para a organização de sua disciplina interna. Como vivem em luta entre si, são
forças que se subtraem e, portanto, não podem constituir o Estado, como soma
das aspirações gerais.
Essa impressão eu a trago da adolescência: em 1907, ao
concluir preparatórios, assisti em S. Paulo às conferências do Sr. Paulo
Doumer, depois Presidente da França, que causaram grande sensação naquela
época. Meu bom pai, com o carinho que sempre dispensou à sã leitura dos filhos,
pôs-nos nas mãos a obra daquele estadista, ”Le livre de mes fils”, no qual o
insigne patriota – aliás, chefe de partido - solicitava dos descendentes
cuidarem mais das necessidades nacionais que das partidárias, profligando a
generalidade ocorrente em sentido oposto.
Meus olhos de quinze anos aprenderam, então, sob pasmo, que,
contrariamente ao que estudávamos em educação cívica, os homens políticos
cuidavam sempre muito mais dos seus partidos do que do interesse comum. Porque,
acima de tudo, eram PARCIAIS, viam parcialmente as necessidades públicas, sob o
ângulo particular do mesquinho interesse de partido.
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Não é bem assim na Natureza: nosso aparelho digestivo é o
único a comer; mas, pela TOTALIDADE, pela INTEGRALIDADE do nosso organismo,
espalha o benefício do alimento pelos vasos quilíferos.
Se o aparelho digestivo não fosse INTEGRALISTA, se seguisse a
política PARCIAL ou PARTIDÁRIA, diria aos vasos quilíferos: “vocês não funcionem;
nós já comemos, o resto que se amole”.
E aconteceria o que aconteceu aos Estados formados de
partidos; cada um comeria esquecido do total. O total pereceria e com ele os
partidos egoístas. Ora, se o aparelho digestivo egoisticamente não permitisse
que o cérebro, o coração, os membros, recebessem o benefício do alimento, o
corpo todo – a integral geral – morreria e com ele o órgão assim tornando
egoísta. O acessório segue sempre o principal...
Também os rins filtram os líquidos, separando impurezas que
intoxicariam todo o organismo. Se os rins fossem políticos partidários, fariam
essa purificação no interesse próprio. Resultado: todo o corpo se envenenaria
e, no seu perecimento, morreriam também os rins.
O mesmo raciocínio se aplicaria aos vegetais: se as raízes,
depois de alimentadas seguissem o partidarismo, impediriam a seiva elaborada de
subir pelo tronco. Pois se o interesse parcial delas estava satisfeito, que
lhes importaria o interesse integral da árvore?
Donde se deduz que a natureza segue o INTEGRALISMO, não o
PARTIDARISMO. E que o Estado integral é conforme a Natureza, e o Estado
partidário a ela se opõe pela simples razão que o Integralismo dentro da
REALIDADE NATURAL, considera a PARTE NO TODO, e NÃO o TODO NA PARTE, no que
afinal consiste o absurdo da concepção partidária.
II
Salientaremos que o Integralismo se opõe a partidarismo, como
a ideia de soma se antagoniza à de parcela.
Partidarismo é o sistema de governo em que o interesse
parcial de um grupo se antepõe ao interesse geral da Nação.
Integralismo é o sistema oposto: nenhum interesse, NADA acima
do interesse da Nação.
Esta Nação é integralmente concebida como a federação dos
municípios; os municípios como a federação das corporações profissionais ou
culturais e, portanto, representando a totalidade das famílias municipais, por
isso os respectivos pais e mães, incumbidos de sustentá-las, já se acham
representados nos sindicatos de seus ofícios ou classes laboriosas.
Se uma Câmara Municipal vier abranger amanhã representantes
de todas as atividades locais – lavoura, comércio, indústria, patrões,
empregados, classes intelectuais – tal Câmara representará todas as famílias do
município, porque será constituída pelos elementos ativos que dão de comer, de
vestir e educação a todas as famílias e a todas as pessoas de cada família.
Será uma Câmara integralista.
Se, pelo contrário, a Câmara vier a ser composta de elementos
meramente partidários será corporação meramente partidária. Nada representará
de real, de concreto, de objetivo. Apenas votará impostos para custear
propagandas partidárias, como o ensinava a velha experiência.
E todas as famílias e cada uma de suas pessoas serão
sacrificadas em taxações para continuar sem escolas, sem água, sem esgotos, sem
sarjetas, etc.
Nesse sentido é que deve fixar-se a revolução social. Não há
mais lugar nem para revoluções políticas, nem para o prevalecimento de
partidos, nem para o Estado liberal-individualista.
Rui Barbosa, retornando ao Senado em 1921, previu a época
dessa transformação e do consequente desaparecimento dos partidos, se não se disciplinassem
no sentido do bem público.
Eis suas palavras:
“Por enquanto, Sr. Presidente, as revoluções eram políticas,
tinham praias que as circundavam e lhe punham visíveis raias. Depois que se
fizeram sociais, e sociais são hoje todas, todas beiram nesse mar tenebroso,
cujo torvo mistério assombra de ameaças, as plagas do mundo contemporâneo”.
Rui Barbosa, o maior gigante do Estado liberal, e dos seus
partidos componentes, rezou, assim, o “de profundis” da era
político-partidária.
A era que surge da revolução social-mundial contém as ameaças
do comunismo – o Estado sem Deus, sem Pátria, sem Família. Mas, trás, também o
Integralismo: O Estado em nome de Deus, para a Pátria, pela Família, as
necessidades materiais desta atendidas nas reivindicações profissionais de seus
respectivos chefes.
*∑. João Carlos Fairbanks.
Engenheiro e economista. Foi o primeiro Deputado Integralista na Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo.
Transcrito de “Estudos e
Depoimentos”, Volume III da Enciclopédia do Integralismo. Rio de Janeiro:
Livraria Clássica Brasileira/Edições GRD, 1958; íntegra da página 179 até 187.
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